Módulo 1: Gênese do Direito da Infância e Juventude
Princípio da igualdade e desisonomia seletiva - a razão da proteção integral de crianças e adolescentes.
Meus cumprimentos a todos.
Inicialmente, gostaria de lhes dar as boas vindas nesse curso. Fiquem à vontade!
Espero, sinceramente, que as próximas linhas sejam capazes de agregar conhecimento, estimular a reflexão, proporcionar a troca de ideias e despertar o interesse cada vez mais intenso no estudo dos direitos infanto-juvenis
Qualquer dúvida, entrem em contato.
Boa leitura!
1.1 - Princípio da igualdade e desisonomia seletiva: a razão da proteção integral de crianças e adolescentes
Nos termos do artigo 5º, "caput", da Constituição Federal de 1988, todos são iguais perante a lei.
Significa dizer que todos devem ser tratados igualmente, viabilizando-se o acesso aos mesmos direitos e garantias fundamentais.
Mas a vigência do princípio da igualdade no nosso ordenamento não impede que o legislador trate diferentemente pessoas diferentes, com base naquilo que chamamos de desisonomia seletiva.
Ora, se todos fossem merecedores de idêntico tratamento jurídico, não precisariamos de tantas leis em nosso país para a tutela de grupos humanos específicos (como é o caso do Código de Defesa do Consumidor, do Estatuto do Idoso, da Lei Maria da Penha...).
Diante dessa colocação, fica evidente que, independentemente da certeza de que todos têm o direito de serem tratados igualmente (leia-se: sem predileções ou perseguições), é totalmente legítima a diferenciação de tratamento jurídico quando essa diferenciação (chamada de discrímen) se dá com base em um critério justo e proporcional, que objetive, em última instância, suprimir desigualdades impregnadas em um determinado contexto (econômico, social, histórico, cultural etc).
Falar em desisonomia seletiva é o mesmo que falar em seleção de critério legítimo de desigualação, que diferencia juridicamente pessoas faticamente diferentes, proporcionando o alcance da verdadeira igualdade material.
Esse raciocínio desenvolve a faceta aristotélica do princípio da igualdade ou, como se prefere dizer, a esfera material desse princípio. Não basta tratar todos de maneira igual, pois, fazendo-se isso, o resultado será aumentar as diferenças das pessoas diferentes. O certo, para a verdadeira concretização do princípio da igualdade, é selecionar situações específicas da sociedade para que, a partir delas, se dê tratamento diferente às pessoas essencialmente diferentes, de modo a proporcionar uma verdadeira igualdade. E é isso que significa a expressão desisonomia seletiva: selecionar para desigualar proporcionalmente, até o atingimento da igualdade substancial.
Em termos mais simples: tratar igualmente pessoas diferentes acarreta o aumento do quadro de desigualdade. É preciso, por meio de um critério legítimo, tratar diferentemente os desiguais, na medida dessa desigualdade. Diferenciando os desiguais é que se igualiza.
Posto isso, é de se ver que, no caso de crianças e adolescentes, essas não recebem tratamento idêntico ao do adulto. Na verdade, o legislador lhes deu um tratamento diferenciado, porque os viu como seres humanosdiferentes, física e psicologicamente mais frágeis do que os adultos.
Reconhecendo a existência dessa característica das crianças e dos adolescentes que os diferencia negativamente (como, por exemplo, o fato destes indivíduos não conseguirem sozinhos exigir e perseguir os seus direitos), o legislador optou por lhes dar um tratamento desigual, na medida de sua desigualdade, objetivando o alcance da igualdade substancial.
Nesse sentido, o art. 227 da Constituição Federal confere às crianças e aos adolescentes um tratamento jurídico diferenciado, baseado na Doutrina da Proteção Integral, que se rege, entre outros, pelos princípios do RESPEITO À PECULIAR CONDIÇÃO DE DESENVOLVIMENTO, da PRIORIDADE ABSOLUTA e do MELHOR INTERESSE DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES.
O princípio do respeito à peculiar condição de desenvolvimento confere à família, à sociedade e ao Estado o dever de proteger crianças e adolescentes, de modo a garantir-lhes o atingimento sadio à vida adulta.
Para concretizar esse objetivo, o ordenamento jurídico destina a crianças e adolescentes um sistema tripartite de garantias, que busca impedir, a todo custo, a violação dos direitos desses indivíduos: o sistema primário designa políticas públicas voltadas especialmente a crianças e adolescentes; o sistema secundário, por seu turno, desenvolve medidas de proteção para infantes e jovens que se encontram em situação de violação de direitos; e o sistema terciário, por sua vez, estabelece regras excepcionais de aplicação de medidas socioeducativas nos casos de adolescentes que violam seus direitos em razão da prática de atos infracionais.
O princípio da prioridade absoluta coloca os interesses das crianças e adolescentes em primeiro plano, na medida em que se identifica que, embora a infância e a juventude representem apenas uma pequena etapa da vida do ser humano, é nesse período vital que são exigidos maiores cuidados relacionados à saúde, à alimentação, à educação e à socialização do ser humano, que, ainda em situação frágil e vulnerável, precisa do máximo de atenção e cuidado para bem se fortalecer, crescer e construir a sua personalidade, seus ideais e os seus valores de vida.
Por fim, o princípio do melhor interesse assegura que à criança e ao adolescente (inclusive ao adolescente acusado da prática de infração penal) seja dado tratamento jurídico adequado, efetivamente capaz de concretizar o ideal legal de desisonomia seletiva (de modo a se alcancar a igualdade material devida). Ora, se pelo princípio da igualdade decidiu-se por diferenciar beneficamente o jovem porque ele, se comparado ao adulto, é mais frágil e vulnerável, seria um contrassenso se, em determinado caso concreto, a legislação especial restasse por conferir a uma criança ou a um adolescente tratamento jurídico mais prejudicial do que aquele tratamento que a legislação comum confere a um adulto que se encontra em idêntica situação. Se essa situação fosse admissível, melhor seria não ter lei especial alguma e se aplicar ao jovem exatamente as mesmas leis do adulto. Como, contudo, se optou pelo tratamento diferenciado mais benéfico da criança e do adolescente, o princípio do melhor interesse assegura que à criança e ao adolescente não se pode conferir, em nenhuma hipótese, tratamento mais prejudicial do que o do adulto diante de uma situação semelhante.
Dessa forma, a Constituição, com base em um critério de desisonomia seletiva, conferiu a crianças e adolescentes um tratamento diferenciado, mas com a finalidade de os proteger, assegurando-lhes direitos especiais para atingir substancialmente o princípio da isonomia.
Esse tratamento diferenciado mais benéfico ganha corpo não só no texto constitucional (artigos 227 e 228), senão também e no Estatuto da Criança e do Adolescente, que será objeto de estudo nas próximas aulas.
Feitas essas colocações, pergunto: a desisonomia seletiva de crianças e adolescentes é algo novo no nosso ordenamento? Como eram tutelados os direitos infanto-juvenis antes da Constituição de 1988?
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Esse curso é maravilhoso para mim que faço serviço social e vou trabalhar com criança e adolescente.
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